UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA POLITÉCNICA
DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE ENERGIA E AUTOMAÇÃO ELÉTRICAS
PEA-5899 - INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA – ANÁLISE SISTÊMICA AVANÇADA PARA AMÉRICA LATINA
EDGARD GONÇALVES CARDOSO
A integração da indústria de gás natural na américa do sul: desafios institucionais no desenvolvimento de infraestruturas de interconexão
Michelle Carvalho Metanias Hallack
Resenha apresentada à Universidade de São Paulo como parte dos requisitos de avaliação da disciplina de Integração Energética – Análise Sistêmica Avançada para América Latina do curso de pós graduação stricto sensu em Energia, sob orientação do Profº. Dr. Miguel Edgar Morales Udaeta, e do Profº. MsC. Vinícius Oliveira da Silva.
O livro “O Brasil e novas dimensões da integração regional”, organizado por Walter Antonio Desiderá Neto, contribui para o debate público a respeito das oportunidades e dos desafios com os quais o Brasil se depara, no contexto contemporâneo, com relação às novas dimensões da integração regional na América do Sul. A América Latina tem sido palco de três destacados processos de integração: o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA), de 1960, a Comunidade Andina, fundada em 1969, e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), fundado em 1991.
A integração da indústria de gás natural e os desafios que a envolvem é a principal temática desenvolvida por Michelle Carvalho Metanias Hallack no sétimo capítulo do livro supracitado, capítulo este denominado “A integração da indústria de gás natural na América do Sul: desafios institucionais no desenvolvimento de infraestruturas de interconexão”. Baseando-se em estudos de caso, principalmente de gasodutos existentes na América do Sul, a autora tem por objetivo demonstrar como a durabilidade desses investimentos demanda a construção de arranjos institucionais robustos, os quais garantam a qualidade do relacionamento entre os agentes econômicos ao longo do tempo.
O texto escrito pela autora contribui para a construção de um quadro geral de análise das instituições utilizadas e do papel dos agentes públicos, bem como também de agentes privados e híbridos, demonstrando a necessidade de se estabelecer marco institucional mais claro, sumariamente quando se trata de soluções de conflitos entre os stakeholders[1].
Tomar como referência a indústria de gás natural entre as indústrias de rede[2] é, de acordo com a autora, interessante por questões metodológicas e devido ao impacto nas políticas energéticas. Quanto ao fator metodológico, a análise de uma única indústria proporcionada a capacidade de comparação entre estudos de caso sem a necessidade de ponderar a análise pelas diversas técnicas de diferentes indústrias, ou seja, ao fazer esse tipo de análise focada e direcionada de projetos em uma única indústria de reder, pode-se prospectar-se, com melhor qualidade e riqueza de detalhes, conclusões sobre os quadros institucionais utilizados, lidando com o mesmo grupo de especificidades técnicas.
Quanto ao papel dos acordos de longo prazo na construção de gasodutos, estes se fazem necessários devido a localização das regiões produtoras e consumidoras em países diferentes gera a necessidade de integração internacional e, por conseguinte, esses acordos de integração representam a necessidade de construção e operação de infraestruturas de transporte, especificamente devido às características físicas do gás natural.
Sobre as características técnico-econômicas da indústria de gás natural, especificamente transporte e distribuição (via gasodutos), uma das principais especificidades desta indústria é a importância do segmento de transporte, especificidade esta que impacta tanto a participação dos custos quanto a caracterização do gás natural como indústria de rede.
A respeito da produção do gás natural, a autora reforça o fato da inexistência de um preço marginal do gás, que seja independente da sua localização, fato este que dificulta a definição da renda com o comércio deste produto, causando grandes conflitos entre agentes interconectados, visto não existe um preço de referência do gás.
A autora também descreve os diversos riscos associados ao investimento na indústria de rede de gás natural, sendo estes riscos institucionais e de mercado. Sumariamente estes riscos estão atrelados a vida útil de um gasoduto (que varia entre vinte anos e trinta anos) e aos altos custos dos gasodutos de transporte. Assim, um investimento em integração energética por meio de gasodutos só é economicamente viável se se considerar um longo período. Assim, os riscos de mercado derivam das incertezas relacionadas à expectativa de evolução da demanda dos serviços de transporte e também em relacionadas à expectativa do preço do serviço de transporte de gás.
Sobre os níveis de institucionalização, relacionados ao comércio de gás natural entre dois países e que depende de diferentes arranjos institucionais, descritos no capítulo, três são destacados: constituição do marco legal internacional, definição das condições econômicas, mecanismo de renegociação ou de resolução de conflitos.
Em seguida, o texto discute, através de estudos de casos, os gasodutos sul-americanos. Destacando os países que exportam gás por meio de gasodutos. São estes países: Bolívia, Colômbia e Argentina.
A rede de exportação de gás natural pode ser resumida da seguinte forma, de acordo com o texto: Bolívia exporta para a Argentina e para o Brasil; Argentina exporta para o Brasil, para o Chile e para o Uruguai; e Colômbia exporta para a Venezuela.
Devido a falta de um quadro institucional multilateral tanto para o comércio de gás quanto para a construção de gasodutos, a relações entre os países exportadores e importadores são baseadas em primeira instância em acordos bilaterais permitindo a atividade. Isso resulta em intervenções heterogêneas dos países nos projetos de integração energética, estabelecendo diferentes mecanismos, sem necessariamente relações entre um e outro.
Para a resolução de conflitos, o papel das instituições multilaterais sul-americanas no setor de energia faz-se extremamente importante, porém o avanço nos acordos multilaterais no setor do gás não apresentou até então resultados minimamente satisfatórios, visto que a construção, a operação e a resolução de conflitos relacionados à integração energética através de gasodutos são baseadas em negociações e acordos bilaterais. Como resultado deste tipo de negociação, investidores privados têm muitos problemas para recorrer em casos de conflitos com os Estados com os mantém negociação. Quando há conflitos entre um agente e o Estado vizinho, o capítulo destaca que este possui três opções: requerer ao seu país de origem que represente seus interesses e que apresente uma queixa ao país receptor; litigar no país receptor – embora nestes casos os Estados estejam quase sempre protegidos pela cláusula de imunidade soberana; e absorver os custos. Tudo isso resulta em mecanismos custosos e demasiadamente arriscados para as empresas que investem em ativos específicos e se tornam dependentes das ações dos países com os quais negociam.
Para tentar minimizar os conflitos e estabelecer padrões de negociação e desempenho de acordos, há uma grande diversidade de instituições regionais que, de certa forma, participam dos processos de integração energética da América do Sul, porém, muitas vezes com objetivos sobrepostos e recortes regionais muito distintos. A autora destaca as seguintes instituições: Aladi; Organização dos Estados Americanos (OEA); Associação Regional de Empresas de Petróleo e Gás Natural na América Latina e Caribe (Arpel); Organização Latino-Americana de Energia (Olade); Comissão de Integração Energética (Cier); Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa); União de Nações Sul-Americanas (Unasul); Mercado Comum do Sul (Mercosul); Comunidade Andina de Nações (CAN); Corporação Andina de Fomento (CAF); e Conselho Energético Sul-Americano da Unasul.
Sintetizando as informações relacionadas, é analisado um tipo de mecanismo privado de resolução de conflitos internacionais, o qual seria utilizado em diversos projetos de investimento – as arbitragens internacionais. O uso deste mecanismo, com o claro objetivo de resolver conflitos internacionais entre os países sul-americanos poderia restringir o campo das negociações entre os Estados e desestimularia o caminho da solidariedade, apesar de este ser um mecanismo que garanta o cumprimento de acordos estabelecidos ou ao menos reduza a probabilidade de estes não serem executados.
Sabe-se que produção ou o potencial de produção de recursos energéticos são maiores que o consumo na América do Sul, entretanto não igualmente de distribuição entre os países, além da capacidade de importação e exportação destes recursos entre os países ser limitada, principalmente no caso da indústria do gás natural, onde a capacidade de importação ou exportação de gás depende dos gasodutos de interconexão entre as diversas regiões.
Assim, com base no que está supracitado, a integração energética por meio de rede de gás natural na América do Sul, carece de iminente desenvolvimento de gasodutos, desenvolvimento este que será consequência de superação de deficiências nos aspectos normativos e institucionais, visto que há um grande número de instituições que objetivam a integração energética, porém, existem poucos mecanismos efetivos de resolução de conflitos.
Por fim, a autora conclui seu trabalho propondo o desenvolvimento de uma instituição de integração forte, a qual certamente resultaria no favorecimento da integração energética entre os países interessados, contanto que fosse estruturada em planejamento e a coordenação de operação. Essa instituição proporcionaria uma melhor articulação entre as definições políticas estabelecidas pelos diferentes agentes e sua implementação normativa, resultando na possibilidade de contratos mais flexíveis e adaptáveis às adversidades, o que proporcionaria negociações menos custosas e arriscadas para os stakeholders.
[1] Stakeholder (em português, parte interessada ou interveniente), é um dos termos utilizados em diversas áreas como gestão de projetos e Relações Públicas, referente às partes interessadas que devem estar de acordo com as práticas de governança corporativa executadas pela empresa ou governos.
[2] Indústrias de rede são aquelas nas quais a geração de valor de sua operação é criada e compartilhada por todos os membros de uma rede, e não por empresas individuais, e que economias de escala derivam do tamanho da rede – não da empresa.
[3] Indústrias de rede são aquelas nas quais a geração de valor de sua operação é criada e compartilhada por todos os membros de uma rede, e não por empresas individuais, e que economias de escala derivam do tamanho da rede – não da empresa.
Referência
HALLACK, M. (2014). A integração da indústria de gás natural na américa do sul: desafios institucionais no desenvolvimento de infraestruturas de interconexão. in Neto, W. A. D. (ed.) O Brasil e novas dimensões da integração regional. 1st edn. Rio de Janeiro: IPEA, p. 508
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